CAPES promove debate sobre letramento antirracista
Promotora da Bahia, Lívia Vaz traça histórico jurídico brasileiro e defende aplicação da educação e cultura afro-brasileira e indígena
A história brasileira é marcada por quase 400 anos de escravidão. Para debater os impactos dessa forma de organização da sociedade, em que pessoas negras eram tratadas como mercadorias, seja no ordenamento jurídico, seja na educação, a CAPES/MEC promoveu uma palestra sobre letramento antirracista na semana do Dia da Consciência Negra, 20 de novembro.
Responsável pela apresentação, Lívia Maria Santana e Sant’Anna Vaz é promotora de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia desde 2004. A jurista atua na Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, Defesa das Comunidades Tradicionais e das Cotas Raciais do MPBA há uma década.
“É muito importante promover esse tipo de reflexão, porque a CAPES/MEC é uma instituição que tem em seu DNA uma busca por uma pós-graduação inovadora, interiorizada e inclusiva. A avaliação da pós-graduação do ciclo 2025-2028 vai considerar como dimensão da avaliação as ações afirmativas com foco na promoção da equidade, diversidade e inclusão”, disse o presidente substituto da CAPES/MEC, Antonio Gomes de Souza Filho. “Somos uma agência de fomento. Se não temos um debate desse aqui dentro, falhamos como indutores dessa temática. Não podemos nos calar — e não basta não sermos racistas: precisamos ser antirracistas”, afirmou a diretora de Gestão da Coordenação, Luciana Gottschall.
Lívia Vaz abordou séculos de normativos para embasar a fala. Citou a africana Carta Mandinga, de 1235, que já mencionava proteção à vida, proteção ao meio ambiente e valorização das mulheres. A Constituição do Haiti, de 1805, fruto da resistência negra contra o exército francês, e a Carta Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos, de 1981, que aborda direitos e deveres. “Direitos humanos não é monopólio da Europa e dos EUA”, disse.
Na ordem jurídica brasileira, no entanto, a jurista observou que a Lei Áurea, de 1888, foi “uma lei com 2 artigos para dar conta de mais de 380 anos de escravidão” e que não trouxe “nada sobre o destino das pessoas negras”. Destacou, ainda, que o Código Criminal de 1890, sancionado antes da Constituição republicana, criminalizava, por exemplo, a prática da “capoeiragem”, de matriz africana.
A promotora trouxe ainda teses eugenistas sob as quais se tentou promover um embranquecimento da população brasileira via miscigenação. “O que estamos vivenciando hoje não é aleatório. Não é uma questão periférica. Por isso o letramento racial é fundamental”, disse Lívia Vaz. Como forma de avançar na educação, a especialista defende a aplicação de fato das Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008.
As duas leis tratam de um maior conhecimento de grupos sub-representados. A Lei 10.639 inclui “no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira’”. Já a Lei nº 11.645 inclui os povos originários e estabelece “a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena’”.
Também compuseram a mesa uma servidora e um colaborador da CAPES/MEC. Em sua fala, Priscila Siqueira relatou que colegas mais antigos estranharam seu ingresso na Coordenação, há 17 anos, por ocupar um cargo de ensino superior sendo uma mulher preta. Já Marcos Antônio ressaltou o fato de que “o Dia da Consciência Negra não é uma inflexão comemorativa de um feriado. É um trabalho a ser feito, uma luta a ser lutada”.
A palestra foi apresentada na segunda-feira, 17 de novembro, no Auditório Anísio Teixeira, na sede da CAPES/MEC, em Brasília.
